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André Menezes (USP)
Título: Claude Lefort e a crítica do “revolucionarismo” totalitário.
Interrogaremos as articulações entre revolução e liberdade em Claude Lefort para acompanhar seu esforço por elaborar uma nova filosofia política através de uma crítica interna ao marxismo da URSS, isto é, por elaborar uma filosofia política para pensar os fenômenos políticos contemporâneos, que escape das antinomias do discurso marxista oficial do partido comunista e que, não obstante, não renuncie ao marxismo e nem fique aquém da dialética marxista. Lefort realiza a crítica das teses comunistas sobre a “revolução” à luz de uma leitura dos fenômenos históricos (tendo como foco principal a revolução francesa e a revolução russa) e mostra como o conceito de “revolução” no interior do discurso oficial da URSS e dos intelectuais vinculados aos partidos comunistas se torna ideologia que mascara a luta de classes e o domínio de uma classe sobre outra. A ideologia da revolução que tende a ocultar o esmagamento das liberdades pelo totalitarismo é acompanhada por um “militantismo” ou “revolucionarismo” de alinhamento dogmático que significa nos intelectuais "marxistas" uma renúncia à liberdade de agir e pensar. Após investigar a crítica da ideologia da revolução, interrogaremos como Lefort pensa a revolução a partir do conceito de democracia.
Beatriz Uriaz (UNAM - México)
O arquivo Lefort (Centre d’Etudes Politiques Raymond Aron, EHESS) não foi catalogado, mas está aberto ao público de maneira informal. A partir da revisão de uma parte substancial desse material não organizado, pude obter um panorama geral do conteúdo do arquivo, que apresentarei na primeira parte da comunicação. Num segundo momento, vou me concentrar nas trocas geradas a partir da formação do Comitê de Defesa de Salman Rushdie na França, que Lefort presidiu em 1995. Os documentos relacionados ao Comitê chamaram minha atenção, entre outros motivos, porque refletem a importância que Lefort conferiu à defesa dos direitos dos intelectuais perseguidos ou censurados por regimes e religiões autoritárias. No caso específico de Rushdie, Lefort conjuga essa defesa a uma crítica devastadora que fazia do narcisismo que os intelectuais perseguidos podiam desenvolver ao se converter em figuras públicas.
Cícero Romão de Araújo (USP)
Título: Lefort, Marx e o Comunismo
Muito da visão de Lefort sobre Marx é mediado por sua crítica à experiência do comunismo no século XX. E vice-versa. Isso, ainda que esteja longe do autor identificar um e outro, como se o comunismo pudesse ter sido a pura e simples verdade do pensamento marxista. Porém, feita essa reserva, é de se notar que Lefort vai se afastando de Marx no mesmo compasso em que sua crítica ao comunismo se aprofunda. Pretende-se mostrar esse ponto cotejando alguns ensaios do autor, escritos em diferentes momentos, o que dará oportunidade para uma reflexão sobre os vínculos contraditórios entre obra, pensamento da obra e ação.
Flávia Benevenuto (UFPAR)
Título: Notas sobre a interpretação lefortiana do proêmio dos Discorsi de Maquiavel
A primeira empreitada assumida por Maquiavel em seus Discorsi é depreender a utilidade das coisas antigas e modernas. Essa via, que constitui parte de seu método, prevê a recorrência aos historiadores antigos e, ao mesmo tempo, à experiência das coisas modernas. As dificuldades dessa estratégia são perceptíveis já no proêmio dessa obra. Trata-se de revisitar trechos do texto Le travail de l’œuvre Machiavel que dizem respeito ao proêmio dos Discorsi e procurar identificar, a partir da perspectiva de Claude Lefort, a complexidade desse método maquiaveliano.
Jean Philippe Bejà (CERI-Sciences-Po)
Título: China, homens em excesso.
Na China, apesar do desenvolvimento impressionante de uma forma de economia de mercado, continua extremamente difícil sair do totalitarismo. A sociedade civil, condição indispensável dessa saída, tem muita dificuldade para se desenvolver e, sobretudo, para se institucionalizar. Todavia, existem espaços e os resistentes trabalham para desenvolvê-los. Advogados defensores dos Direitos do Homem, dissidentes como Liu Xiaobo, agricultores e operários que, ao lutar contra os abusos dos altos funcionários (os quadros), colocam o sistema em questão. Todas essas formas de resistência ao sistema, ainda fortemente impregnado de totalitarismo, mostram a atualidade das teses de Claude Lefort.
José Luiz Ames (UNIOESTE)
Título: Conflito civil como força viva do poder constituinte em Maquiavel
Os Estados modernos são regidos por um poder soberano cujos limites e atribuições são estabelecidos em uma Constituição. A Constituição é a principal fonte de autoridade do poder. Ela, porém não criou a si mesma, mas foi criada por um poder constituinte, possivelmente um "povo". Dessa maneira, sua fonte da autoridade encontra-se em algo externo a ela própria. Isso leva a um paradoxo: o poder constitucional deve ser reconhecido como a única fonte válida de autoridade; para tanto, precisa destruir a sua própria fonte, e o poder constituinte deve ser apagado da esfera jurídica. Deparamo-nos, pois, com o paradoxo: o poder constituído, ou seja, a criatura, apaga o poder constituinte, ou seja, o seu criador. Maquiavel costuma não ser considerado nas reconstruções e debates teóricos acerca desse paradoxo. Muito embora não seja um filósofo jurídico, pensamos que a teoria conflitual da política elaborada pelo florentino oferece uma contribuição singular para resolver paradoxo moderno de um poder constituinte como origem e base do poder constituído, mas que é extinguido uma vez o poder constituído estabelecido por meio da Constituição. Procuraremos mostrar que o povo, enquanto poder constituinte, ao manter aberta a dimensão conflitual da política, oferece uma alternativa para explicar a influência recíproca entre o factual/político e o jurídico/normativo, sem assumir a necessidade de que o primeiro seja apagado e vencido pelo último. A natureza conflitual da política deixa transparecer as leggi et ordini na sua precariedade histórica, sempre passíveis de transformação pela atuação da força viva do povo. A conclusão de Maquiavel é de que o poder constituinte vive dentro da dimensão ordinária e conflituosa da vida republicana: força e lei andam de mãos dadas sendo, ao mesmo tempo, origem e objetivo do poder constituinte. Compreendido desta maneira, o povo permanece “sujeito legislativo”, não como potestas, mas como potentia.
José Luiz Neves (USP)
Título: A instituição das formas da história: Claude Lefort e Merleau-Ponty
Procuraremos comentar alguns temas privilegiados por Lefort em sua leitura de Merleau-Ponty através da análise de certos textos de Sur une collone absente.
Marilena Chauí (USP)
Trataremos do populismo como forma política da classe dominante brasileira, cujas raízes estão fincada na divisão social entre carência e privilégio. Tomaremos como pressupostos, de um lado, as idéias lefortianas da democracia moderna como desincorporação do poder e indeterminação e, de outro, a teologia política que sustenta o mito fundador do Brasil, que se exprime politicamente sob a ideia da história providencial (apropriada pelos dominantes) e a da história messiânica (apropriada pelos dominados).
Martha Costa (USP)
Título: Reinterrogar a ideologia para repensar o político: Lefort, leitor crítico de Marx.
Esta comunicação visa delinear um quadro geral das relações entre Lefort e Marx no que diz respeito ao debate acerca da origem, da função e das transformações da ideologia nas sociedades capitalistas modernas. Sabe-se que a trajetória política e filosófica de Lefort é, do começo ao fim, marcada por relações críticas com o marxismo e com a obra de Marx. Dentre a gama de temas que atestam a presença do pensador alemão no centro das preocupações de Lefort (como imaginário social, alienação, luta de classes, etc.), destacamos a centralidade da noção de ideologia, pois com ela está em jogo toda uma articulação de conceitos (história, classe, estatuto da divisão social, real e imaginário, etc.) que alicerçam a concepção política mais ampla de Lefort. Sendo a ideologia analisada sob diferentes prismas – ora como lógica de identificação do processo de socialização levado a cabo pelo partido comunista na Rússia, ora como expressão teórica que afirmava a posição do partido como consciência e direção da classe proletária –, buscaremos nos deter no momento em que Lefort, declaradamente, toma distância da concepção originária de Marx, formulada na Ideologia alemã, para alargar a compreensão da ideologia, atentar às suas novas figuras e, no mesmo movimento, reabrir as vias de acesso a um pensamento político. Seguindo e atando os fios do célebre ensaio de Lefort intitulado “Esboço de uma gênese da ideologia nas sociedades modernas” (1974), buscaremos indicar os movimentos de continuidade e afastamento que o filósofo francês realiza com relação ao paradigma de Marx, estabelecendo assim novas referências para pensar as ações da ideologia a partir do seu traço essencial, ou seja, enquanto obra que encobre a divisão, desarma os efeitos da divisão social, do conflito e da indeterminação, pondo-se contra a historicidade do social. Entra em cena a crítica lefortiana ao naturalismo de Marx e à sua oposição bruta entre produção e representação, ou ainda, entre imaginário e real. Acrescentando uma nova componente na discussão – o simbólico, como instância distinta à da ideologia – Lefort desloca a ideologia do seu quadro tradicional de discussão, retira seu fundamento exclusivamente econômico, analisando-a agora em função do advento de uma história e de uma sociedade modernas, caracterizadas pela dissolução das antigas figuras transcendentes (o mito e a religião) e dos marcos tradicionais da certeza. Trata-se, por fim, de indicar que todo esse movimento crítico que culmina na reinterpretação da ideologia conduz Lefort à reabilitação do político, não mais reduzido, por princípio, ao domínio por excelência da mistificação.
Martin Plot (UNSAM/CONICET)
Título: Os regimes americanos: teologia, epistemologia e estética política nos Estados Unidos hoje
Os regimes políticos não são sistemas de governo ou modelos institucionais, mas horizontes de configuração da vida coletiva que estruturam relações entre o visível e o invisível, o pensável e o impensável. Esses regimes, que Lefort também chamou de “formas de sociedade”, não devem ser vistos, todavia, como horizontes excludentes, mas sim como horizontes que coexistem e estão em competição aberta e/ou encoberta uns com os outros. Atualmente nos Estados Unidos, esse conflito de regimes ameaça a durabilidade da democracia mediante uma aliança cada vez mais hegemônica entre regimes teológicos e epistemológicos da política.
Newton Bignotto (UFMG)
Título: Lefort e o humanismo cívico
Pretendemos, por meio da análise de alguns textos de Lefort, acompanhar suas reflexões sobre os humanistas renascentistas ao longo de textos escritos entre os anos 60 e os anos 90.
Ruy Fausto (USP)
Título: Lefort e o "Sobre a questão Judaica" de Marx: significação e implicações de uma crítica.
A crítica de “Sobre a questão judaica“, o famoso artigo cujo tema central são os “direitos do homem“, que Marx publicou nos Anais Franco-Alemães em 1844, (ver Lefort, “Droits de l‘homme et politique“. In L‘Invention Démocratique), talvez represente o melhor exemplo de questionamento teórico rigoroso do marxismo que já se fez até aqui. Minha intervenção navegará entre a adesão à argumentação rigorosa de que faz prova a crítica de Lefort, e a exploração de certas dificuldades que esta, apesar de tudo, poderia oferecer, não no seu conteúdo intrínseco, nem no que toca imediatamente à contestação das teses de Marx (nesse plano, ela é irrefutável), mas no que se refere ao lugar que ela poderia ocupar no interior do projeto crítico global do seu autor.
Smaïn Laacher (Universidade de Strasbourg / EHESS-CEMS)
Título: Como constituir povo? Algumas questões colocadas pela “Primavera Árabe”
A recusa, publicamente expressa por massas árabes numerosas desde 2010, de uma ordem social que humilha, esmaga e denega o direito de existir com segurança a todos e a todas as minorias culturais, faz-se em nome de um alinhamento aos padrões democráticos dos países capitalistas desenvolvidos. Com os democratas tunisianos (no sentido amplo), os líbios progressistas, os egípcios da primeira hora da praça Tahrir, os marroquinos mais liberais do Movimento de 20 de fevereiro ou os sírios militantes e defensores dos direitos do homem, estamos próximos do pensamento e dos escritos de Claude Lefort. Para este, a democracia é o regime da incerteza e da indeterminação. Exatamente a figura antitética do que é imposto desde os anos 1950 aos povos árabes: uma impossibilidade histórica e quase cognitiva de substituir a obsessão e a fascinação pela unidade do poder e pela unidade do corpo social (“unidade nacional”), pelo conflito e pela divisão, e de substituir a competição por provações regradas e pacíficas.
Título: Claude Lefort e a crítica do “revolucionarismo” totalitário.
Interrogaremos as articulações entre revolução e liberdade em Claude Lefort para acompanhar seu esforço por elaborar uma nova filosofia política através de uma crítica interna ao marxismo da URSS, isto é, por elaborar uma filosofia política para pensar os fenômenos políticos contemporâneos, que escape das antinomias do discurso marxista oficial do partido comunista e que, não obstante, não renuncie ao marxismo e nem fique aquém da dialética marxista. Lefort realiza a crítica das teses comunistas sobre a “revolução” à luz de uma leitura dos fenômenos históricos (tendo como foco principal a revolução francesa e a revolução russa) e mostra como o conceito de “revolução” no interior do discurso oficial da URSS e dos intelectuais vinculados aos partidos comunistas se torna ideologia que mascara a luta de classes e o domínio de uma classe sobre outra. A ideologia da revolução que tende a ocultar o esmagamento das liberdades pelo totalitarismo é acompanhada por um “militantismo” ou “revolucionarismo” de alinhamento dogmático que significa nos intelectuais "marxistas" uma renúncia à liberdade de agir e pensar. Após investigar a crítica da ideologia da revolução, interrogaremos como Lefort pensa a revolução a partir do conceito de democracia.
Beatriz Uriaz (UNAM - México)
O arquivo Lefort (Centre d’Etudes Politiques Raymond Aron, EHESS) não foi catalogado, mas está aberto ao público de maneira informal. A partir da revisão de uma parte substancial desse material não organizado, pude obter um panorama geral do conteúdo do arquivo, que apresentarei na primeira parte da comunicação. Num segundo momento, vou me concentrar nas trocas geradas a partir da formação do Comitê de Defesa de Salman Rushdie na França, que Lefort presidiu em 1995. Os documentos relacionados ao Comitê chamaram minha atenção, entre outros motivos, porque refletem a importância que Lefort conferiu à defesa dos direitos dos intelectuais perseguidos ou censurados por regimes e religiões autoritárias. No caso específico de Rushdie, Lefort conjuga essa defesa a uma crítica devastadora que fazia do narcisismo que os intelectuais perseguidos podiam desenvolver ao se converter em figuras públicas.
Cícero Romão de Araújo (USP)
Título: Lefort, Marx e o Comunismo
Muito da visão de Lefort sobre Marx é mediado por sua crítica à experiência do comunismo no século XX. E vice-versa. Isso, ainda que esteja longe do autor identificar um e outro, como se o comunismo pudesse ter sido a pura e simples verdade do pensamento marxista. Porém, feita essa reserva, é de se notar que Lefort vai se afastando de Marx no mesmo compasso em que sua crítica ao comunismo se aprofunda. Pretende-se mostrar esse ponto cotejando alguns ensaios do autor, escritos em diferentes momentos, o que dará oportunidade para uma reflexão sobre os vínculos contraditórios entre obra, pensamento da obra e ação.
Flávia Benevenuto (UFPAR)
Título: Notas sobre a interpretação lefortiana do proêmio dos Discorsi de Maquiavel
A primeira empreitada assumida por Maquiavel em seus Discorsi é depreender a utilidade das coisas antigas e modernas. Essa via, que constitui parte de seu método, prevê a recorrência aos historiadores antigos e, ao mesmo tempo, à experiência das coisas modernas. As dificuldades dessa estratégia são perceptíveis já no proêmio dessa obra. Trata-se de revisitar trechos do texto Le travail de l’œuvre Machiavel que dizem respeito ao proêmio dos Discorsi e procurar identificar, a partir da perspectiva de Claude Lefort, a complexidade desse método maquiaveliano.
Jean Philippe Bejà (CERI-Sciences-Po)
Título: China, homens em excesso.
Na China, apesar do desenvolvimento impressionante de uma forma de economia de mercado, continua extremamente difícil sair do totalitarismo. A sociedade civil, condição indispensável dessa saída, tem muita dificuldade para se desenvolver e, sobretudo, para se institucionalizar. Todavia, existem espaços e os resistentes trabalham para desenvolvê-los. Advogados defensores dos Direitos do Homem, dissidentes como Liu Xiaobo, agricultores e operários que, ao lutar contra os abusos dos altos funcionários (os quadros), colocam o sistema em questão. Todas essas formas de resistência ao sistema, ainda fortemente impregnado de totalitarismo, mostram a atualidade das teses de Claude Lefort.
José Luiz Ames (UNIOESTE)
Título: Conflito civil como força viva do poder constituinte em Maquiavel
Os Estados modernos são regidos por um poder soberano cujos limites e atribuições são estabelecidos em uma Constituição. A Constituição é a principal fonte de autoridade do poder. Ela, porém não criou a si mesma, mas foi criada por um poder constituinte, possivelmente um "povo". Dessa maneira, sua fonte da autoridade encontra-se em algo externo a ela própria. Isso leva a um paradoxo: o poder constitucional deve ser reconhecido como a única fonte válida de autoridade; para tanto, precisa destruir a sua própria fonte, e o poder constituinte deve ser apagado da esfera jurídica. Deparamo-nos, pois, com o paradoxo: o poder constituído, ou seja, a criatura, apaga o poder constituinte, ou seja, o seu criador. Maquiavel costuma não ser considerado nas reconstruções e debates teóricos acerca desse paradoxo. Muito embora não seja um filósofo jurídico, pensamos que a teoria conflitual da política elaborada pelo florentino oferece uma contribuição singular para resolver paradoxo moderno de um poder constituinte como origem e base do poder constituído, mas que é extinguido uma vez o poder constituído estabelecido por meio da Constituição. Procuraremos mostrar que o povo, enquanto poder constituinte, ao manter aberta a dimensão conflitual da política, oferece uma alternativa para explicar a influência recíproca entre o factual/político e o jurídico/normativo, sem assumir a necessidade de que o primeiro seja apagado e vencido pelo último. A natureza conflitual da política deixa transparecer as leggi et ordini na sua precariedade histórica, sempre passíveis de transformação pela atuação da força viva do povo. A conclusão de Maquiavel é de que o poder constituinte vive dentro da dimensão ordinária e conflituosa da vida republicana: força e lei andam de mãos dadas sendo, ao mesmo tempo, origem e objetivo do poder constituinte. Compreendido desta maneira, o povo permanece “sujeito legislativo”, não como potestas, mas como potentia.
José Luiz Neves (USP)
Título: A instituição das formas da história: Claude Lefort e Merleau-Ponty
Procuraremos comentar alguns temas privilegiados por Lefort em sua leitura de Merleau-Ponty através da análise de certos textos de Sur une collone absente.
Marilena Chauí (USP)
Trataremos do populismo como forma política da classe dominante brasileira, cujas raízes estão fincada na divisão social entre carência e privilégio. Tomaremos como pressupostos, de um lado, as idéias lefortianas da democracia moderna como desincorporação do poder e indeterminação e, de outro, a teologia política que sustenta o mito fundador do Brasil, que se exprime politicamente sob a ideia da história providencial (apropriada pelos dominantes) e a da história messiânica (apropriada pelos dominados).
Martha Costa (USP)
Título: Reinterrogar a ideologia para repensar o político: Lefort, leitor crítico de Marx.
Esta comunicação visa delinear um quadro geral das relações entre Lefort e Marx no que diz respeito ao debate acerca da origem, da função e das transformações da ideologia nas sociedades capitalistas modernas. Sabe-se que a trajetória política e filosófica de Lefort é, do começo ao fim, marcada por relações críticas com o marxismo e com a obra de Marx. Dentre a gama de temas que atestam a presença do pensador alemão no centro das preocupações de Lefort (como imaginário social, alienação, luta de classes, etc.), destacamos a centralidade da noção de ideologia, pois com ela está em jogo toda uma articulação de conceitos (história, classe, estatuto da divisão social, real e imaginário, etc.) que alicerçam a concepção política mais ampla de Lefort. Sendo a ideologia analisada sob diferentes prismas – ora como lógica de identificação do processo de socialização levado a cabo pelo partido comunista na Rússia, ora como expressão teórica que afirmava a posição do partido como consciência e direção da classe proletária –, buscaremos nos deter no momento em que Lefort, declaradamente, toma distância da concepção originária de Marx, formulada na Ideologia alemã, para alargar a compreensão da ideologia, atentar às suas novas figuras e, no mesmo movimento, reabrir as vias de acesso a um pensamento político. Seguindo e atando os fios do célebre ensaio de Lefort intitulado “Esboço de uma gênese da ideologia nas sociedades modernas” (1974), buscaremos indicar os movimentos de continuidade e afastamento que o filósofo francês realiza com relação ao paradigma de Marx, estabelecendo assim novas referências para pensar as ações da ideologia a partir do seu traço essencial, ou seja, enquanto obra que encobre a divisão, desarma os efeitos da divisão social, do conflito e da indeterminação, pondo-se contra a historicidade do social. Entra em cena a crítica lefortiana ao naturalismo de Marx e à sua oposição bruta entre produção e representação, ou ainda, entre imaginário e real. Acrescentando uma nova componente na discussão – o simbólico, como instância distinta à da ideologia – Lefort desloca a ideologia do seu quadro tradicional de discussão, retira seu fundamento exclusivamente econômico, analisando-a agora em função do advento de uma história e de uma sociedade modernas, caracterizadas pela dissolução das antigas figuras transcendentes (o mito e a religião) e dos marcos tradicionais da certeza. Trata-se, por fim, de indicar que todo esse movimento crítico que culmina na reinterpretação da ideologia conduz Lefort à reabilitação do político, não mais reduzido, por princípio, ao domínio por excelência da mistificação.
Martin Plot (UNSAM/CONICET)
Título: Os regimes americanos: teologia, epistemologia e estética política nos Estados Unidos hoje
Os regimes políticos não são sistemas de governo ou modelos institucionais, mas horizontes de configuração da vida coletiva que estruturam relações entre o visível e o invisível, o pensável e o impensável. Esses regimes, que Lefort também chamou de “formas de sociedade”, não devem ser vistos, todavia, como horizontes excludentes, mas sim como horizontes que coexistem e estão em competição aberta e/ou encoberta uns com os outros. Atualmente nos Estados Unidos, esse conflito de regimes ameaça a durabilidade da democracia mediante uma aliança cada vez mais hegemônica entre regimes teológicos e epistemológicos da política.
Newton Bignotto (UFMG)
Título: Lefort e o humanismo cívico
Pretendemos, por meio da análise de alguns textos de Lefort, acompanhar suas reflexões sobre os humanistas renascentistas ao longo de textos escritos entre os anos 60 e os anos 90.
Ruy Fausto (USP)
Título: Lefort e o "Sobre a questão Judaica" de Marx: significação e implicações de uma crítica.
A crítica de “Sobre a questão judaica“, o famoso artigo cujo tema central são os “direitos do homem“, que Marx publicou nos Anais Franco-Alemães em 1844, (ver Lefort, “Droits de l‘homme et politique“. In L‘Invention Démocratique), talvez represente o melhor exemplo de questionamento teórico rigoroso do marxismo que já se fez até aqui. Minha intervenção navegará entre a adesão à argumentação rigorosa de que faz prova a crítica de Lefort, e a exploração de certas dificuldades que esta, apesar de tudo, poderia oferecer, não no seu conteúdo intrínseco, nem no que toca imediatamente à contestação das teses de Marx (nesse plano, ela é irrefutável), mas no que se refere ao lugar que ela poderia ocupar no interior do projeto crítico global do seu autor.
Smaïn Laacher (Universidade de Strasbourg / EHESS-CEMS)
Título: Como constituir povo? Algumas questões colocadas pela “Primavera Árabe”
A recusa, publicamente expressa por massas árabes numerosas desde 2010, de uma ordem social que humilha, esmaga e denega o direito de existir com segurança a todos e a todas as minorias culturais, faz-se em nome de um alinhamento aos padrões democráticos dos países capitalistas desenvolvidos. Com os democratas tunisianos (no sentido amplo), os líbios progressistas, os egípcios da primeira hora da praça Tahrir, os marroquinos mais liberais do Movimento de 20 de fevereiro ou os sírios militantes e defensores dos direitos do homem, estamos próximos do pensamento e dos escritos de Claude Lefort. Para este, a democracia é o regime da incerteza e da indeterminação. Exatamente a figura antitética do que é imposto desde os anos 1950 aos povos árabes: uma impossibilidade histórica e quase cognitiva de substituir a obsessão e a fascinação pela unidade do poder e pela unidade do corpo social (“unidade nacional”), pelo conflito e pela divisão, e de substituir a competição por provações regradas e pacíficas.